quarta-feira, 30 de julho de 2014

Eu venho de longe...

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Eu venho de longe
sou aqui uma estrangeira,
vim de navio negreiro
e o mar me separa do meu continente
das minhas origens

Aqui vivi na servidão,
fui escravizada..
apanhei, bati, apanhei mais que bati,
fui violentada por meu senhor...
também fui um escravo reprodutor
obrigado a espalhar meu sêmen por aí
e plantar a semente da escravatura

Ah...que triste...
saudades da minha terra,
aliás o que é saudade?
Palavra que vem desta terra
e de origem indígena:
é o amor que incendeia
e que nunca se apaga
um amor pela terra natal
pelo continente que carrego na memória,
na cor,
nos lábios ,
nos cabelos,
na ginga,
na língua...

Ai que saudades da minha mãe África,
mas sei que para lá não vou voltar
tenho que aqui me adaptar
Sou uma condenada desta terra!

Meus filhos não vão saber
como é bom ser livre
não ter correntes que te prendam...
correntes físicas...
correntes metais...

Hoje vivo na favela
sou uma prisioneira da sequela
não paro de pensar no que vou comer
hoje a noite, amanhã e depois...

Trabalho para comer
sou escrava da fome
que todo dia tenho que matar
fome minha e dos meus filhos
de uma vida melhor,
trabalho no pesado
por isso meu dinheiro é honrado
ninguém pode duvidar
basta de mim se aproximar.

Veja meu rosto cansado
de lutar para sobreviver
ninguém vive de amor
amor não mata fome,
às vezes até aumenta.

Eita vida sangrenta
essa de escravo moderno
terno só se for de segurança
a noite quando volto para casa
que casa? - meu barraco
que quando a chuva vem, ele tão fraco
não resiste e cai as bandas
junto com os barrancos
na beira do asfalto..

Do porão para a favela
é só o que me resta,
este lugar que me aprisionaram
e de lá por mais que eu tente
não consigo sair...

Luciene Rêgo
19/07/2014